corredores em psta de atletismo

Treinamento de Limiar para Corredores: Métodos e Benefícios para Melhorar seu Desempenho

O treino de limiar representa um dos pilares fundamentais na preparação de corredores de todos os níveis.

Compreender e implementar corretamente este tipo de treino pode transformar significativamente seu desempenho, permitindo que você corra mais rápido por mais tempo com menor esforço percebido.

O Que é o Limiar de Lactato?

O limiar de lactato (também conhecido como limiar anaeróbio) representa o ponto durante o exercício em que a produção de lactato começa a superar a capacidade do corpo de removê-lo.

Treino de limiar de lactato na corrida

Em termos práticos, é a intensidade de exercício que você consegue manter por aproximadamente uma hora em esforço máximo¹.

Este ponto é crucial para corredores porque:

– Marca a transição entre o metabolismo predominantemente aeróbio e anaeróbio

– Determina a intensidade que pode ser sustentada em provas de média e longa distância

– É altamente treinável, podendo melhorar significativamente com o treinamento adequado

– Tem alta correlação com o desempenho em provas de 5k até maratona

Diferentemente do VO₂max, que tende a ter um componente genético significativo e limitações em sua melhoria, o limiar de lactato pode ser substancialmente aprimorado com treinamento específico, mesmo em atletas experientes².

Por Que o Treinamento de Limiar é Tão Importante?

O limiar de lactato é considerado por muitos especialistas como o preditor mais confiável de desempenho em corridas de resistência. Estudos demonstram que corredores com limiares mais altos (como percentual do VO₂max) conseguem manter ritmos mais rápidos por períodos prolongados³.

Benefícios do treinamento de limiar incluem:

  • Melhora na economia de corrida: Você utiliza menos oxigênio para manter o mesmo ritmo
  • Aumento na capacidade de remoção de lactato: Seu corpo se torna mais eficiente em processar e utilizar o lactato como combustível
  • Adaptações musculares: Aumento na densidade mitocondrial e capilarização
  • Melhora na resistência mental: Desenvolve a capacidade de sustentar esforço em zona desconfortável
  • Transferência direta para o desempenho: Os ganhos obtidos são diretamente aplicáveis às situações de corrida

Quais São os Tipos de Treino de Limiar?

A Metodologia de Jack Daniels

Jack Daniels, um dos treinadores mais respeitados no mundo da corrida, divide o treinamento de limiar em duas categorias principais⁴:

1. Corridas de Tempo (Tempo Runs)

Intensidade: Ritmo de limiar (T-pace)

Duração: 20-30 minutos contínuos

Objetivo: Desenvolver a capacidade de sustentar o esforço no limiar por períodos prolongados

Exemplo: Aquecimento + 20 minutos no ritmo T + desaquecimento

2. Intervalos de Cruzeiro (Cruise Intervals)

Intensidade: Mesmo ritmo de limiar (T-pace)

Estrutura: Repetições de 3-15 minutos com recuperação curta (1 minuto ou menos)

Volume total: 20-40 minutos no ritmo T

Exemplo: Aquecimento + 5 x 5 minutos no ritmo T com 1 minuto de recuperação + desaquecimento

Daniels enfatiza que o ritmo de limiar corresponde aproximadamente ao ritmo que você conseguiria manter em uma prova de 1 hora (entre 10k e meia maratona para a maioria dos corredores).

Ele recomenda utilizar sua tabela VDOT para determinar com precisão o ritmo T ideal para cada corredor.

A Abordagem de Steve Magness

Steve Magness, autor de “The Science of Running” e treinador de elite, propõe uma visão mais nuançada do treinamento de limiar⁵:

1. Treinamento de Limiar Clássico

Similar à abordagem de Daniels, mas com ênfase na individualização baseada no perfil fisiológico do corredor.

2. Treinamento de Limiar Duplo (Double Threshold)

Conceito: Alternar entre intensidades ligeiramente acima e abaixo do limiar

Estrutura: Alternar segmentos no ritmo de limiar com segmentos 20-40 segundos/km mais lentos

Benefício: Melhora a capacidade de remoção de lactato durante esforços submáximos

Exemplo: 5 minutos no ritmo de limiar + 5 minutos 30 segundos/km mais lento, repetido 3-4 vezes

3. Treinamento de Limiar Progressivo

Estrutura: Começar abaixo do ritmo de limiar e progressivamente aumentar até ultrapassá-lo

Benefício: Desenvolve a capacidade de lidar com acúmulo gradual de lactato

Exemplo: 30 minutos de corrida começando 30 segundos/km abaixo do ritmo de limiar e terminando 10 segundos/km acima

Magness enfatiza a importância de adaptar o treinamento de limiar ao tipo de fibra muscular predominante do corredor (rápida vs. lenta) e ao perfil metabólico individual.

programa de fortalecimento para corrida

O Modelo Norueguês

Recentemente, o modelo norueguês de treinamento de limiar ganhou atenção mundial pelos resultados impressionantes de atletas como os irmãos Ingebrigtsen⁶:

1. Intervalos no Limiar (Threshold Intervals)

Intensidade: Ligeiramente abaixo do limiar (2-3 mmol/L de lactato)

Estrutura: Intervalos de 5-10 minutos com recuperação muito curta (30-60 segundos)

Volume total: 25-40 minutos de trabalho

Frequência: 1-2 vezes por semana

2. Limiar com Monitoramento de Lactato

Característica única: Uso frequente de medições de lactato durante o treino para manter a intensidade precisa

Objetivo: Maximizar o tempo na “zona ótima” de desenvolvimento do limiar

Benefício: Evita o treinamento excessivamente intenso que pode comprometer a recuperação

Métodos Práticos de Treinamento de Limiar

Baseado nas abordagens dos especialistas e em evidências científicas, aqui estão os métodos mais eficazes de treinamento de limiar para corredores:

1. Corrida Contínua no Limiar

Como fazer:

– Aquecimento de 10-15 minutos em ritmo fácil

– 20-30 minutos de corrida contínua no ritmo de limiar

– Desaquecimento de 5-10 minutos

Benefícios:

– Desenvolve a resistência mental para sustentar o esforço

– Simula as demandas fisiológicas de uma corrida de ritmo

– Ideal para corredores com predominância de fibras de contração lenta

Progressão:

– Iniciantes: Começar com 15 minutos e aumentar gradualmente

– Avançados: Estender até 40 minutos para maratonistas

2. Intervalos de Cruzeiro (Cruise Intervals)

Como fazer:

– Aquecimento de 10-15 minutos

– 3-6 repetições de 3-8 minutos no ritmo de limiar

– Recuperação ativa de 30-90 segundos (caminhada ou trote leve)

– Desaquecimento de 5-10 minutos

Benefícios:

– Permite acumular mais volume total no ritmo de limiar

– Menor estresse mental que a corrida contínua

– Adequado para corredores de todos os níveis

Exemplo de progressão:

– Semana 1: 4 x 4 minutos com 1 minuto de recuperação

– Semana 4: 5 x 5 minutos com 1 minuto de recuperação

– Semana 8: 4 x 8 minutos com 1 minuto de recuperação

3. Treinamento de Limiar Duplo (Double Threshold)

Como fazer:

– Aquecimento de 10-15 minutos

– 3-4 blocos de:

  * 5 minutos no ritmo de limiar

  * 5 minutos 20-30 segundos/km mais lento que o limiar

– Desaquecimento de 5-10 minutos

Benefícios:

– Melhora a capacidade de remoção de lactato

– Permite maior volume total de trabalho

– Particularmente eficaz para corredores com predominância de fibras de contração rápida

4. Corrida Progressiva no Limiar

Como fazer:

– Aquecimento de 10-15 minutos

– 20-30 minutos de corrida progressiva:

  * Primeiros 10 minutos: 15-20 segundos/km mais lento que o ritmo de limiar

  * Próximos 10 minutos: No ritmo de limiar

  * Últimos 5-10 minutos: 5-10 segundos/km mais rápido que o ritmo de limiar

– Desaquecimento de 5-10 minutos

Benefícios:

– Simula as demandas de uma corrida real (início controlado, meio estável, final mais rápido)

– Desenvolve a capacidade de lidar com o acúmulo gradual de lactato

– Treina o corpo para remover lactato mesmo em intensidades crescentes

5. Fartlek Estruturado no Limiar

Como fazer:

Aquecimento de 10-15 minutos

– 20-30 minutos alternando:

  * 3-5 minutos no ritmo de limiar

  * 1-2 minutos em ritmo moderado (30 segundos/km mais lento)

– Desaquecimento de 5-10 minutos

Benefícios:

– Adiciona variedade ao treinamento

– Pode ser feito em terrenos variados

– Menos monótono que outros métodos

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Como Determinar seu Ritmo de Limiar

Existem várias maneiras de determinar seu ritmo de limiar:

1. Teste de 30 Minutos

– Após aquecimento adequado, corra o mais rápido possível por 30 minutos

– O ritmo médio dos últimos 20 minutos é uma boa aproximação do seu ritmo de limiar

– Ideal para corredores intermediários e avançados

2. Tabela VDOT de Jack Daniels

– Baseada em um resultado recente de corrida (5k, 10k, etc.)

– Consulte a tabela VDOT para encontrar seu ritmo T correspondente

– Método prático e acessível para todos os níveis

3. Fórmula Aproximada

– Para corredores recreativos: Ritmo de limiar ≈ Ritmo de prova de 10k + 10-15 segundos/km

– Para corredores avançados: Ritmo de limiar ≈ Ritmo de prova de 15-21k

4. Teste de Laboratório

– Medição direta dos níveis de lactato durante teste incremental

– Método mais preciso, mas requer equipamento especializado

– Recomendado para atletas de elite ou aqueles com acesso a laboratórios esportivos

Periodização do Treinamento de Limiar

Para maximizar os benefícios, o treinamento de limiar deve ser periodizado ao longo da temporada:

Fase de Base (Início da Temporada)

Frequência: 1 vez por semana

Formato recomendado: Intervalos de cruzeiro mais curtos (ex: 4-5 x 3-4 minutos)

Objetivo: Introduzir o estímulo de limiar sem grande estresse

Fase de Construção (Meio da Temporada)

Frequência: 1-2 vezes por semana

Formato recomendado: Combinação de corridas contínuas no limiar e intervalos de cruzeiro mais longos

Objetivo: Desenvolver a capacidade de sustentar o esforço no limiar

Fase Específica (Pré-Competitiva)

Frequência: 1-2 vezes por semana

Formato recomendado: Treinamento específico para a distância da prova-alvo

  * Para 5-10k: Intervalos de cruzeiro mais intensos

  * Para meia/maratona: Corridas contínuas mais longas no limiar

Objetivo: Simular as demandas específicas da competição

Fase de Competição

Frequência: 1 vez por semana (reduzida)

Formato recomendado: Sessões mais curtas para manutenção

Objetivo: Manter as adaptações sem comprometer a recuperação para as competições

Erros Comuns a Evitar

1. Treinar rápido demais: Muitos corredores realizam o treinamento de limiar em intensidade excessiva, transformando-o em treino anaeróbio

2. Volume insuficiente: Sessões muito curtas não proporcionam estímulo adequado

3. Frequência excessiva: Mais de 2 sessões por semana pode levar ao overtraining

4. Negligenciar a progressão: Aumentar volume ou intensidade muito rapidamente

5. Abordagem única para todos: Não considerar as diferenças individuais na resposta ao treinamento

Adaptando o Treinamento de Limiar ao seu Perfil

Para Corredores de Fibras Rápidas

– Preferir intervalos de cruzeiro em vez de corridas contínuas

– Utilizar o método de limiar duplo de Steve Magness

– Recuperações ligeiramente mais longas (60-90 segundos)

– Menor volume total, mas maior intensidade

Para Corredores de Fibras Lentas

– Preferir corridas contínuas no limiar

– Progressivamente estender a duração

– Considerar o modelo norueguês de intervalos longos com recuperação curta

– Maior volume total em intensidade controlada

Para Corredores de 5-10k

– Enfatizar intervalos de cruzeiro mais curtos e intensos

– Ocasionalmente treinar ligeiramente acima do limiar

– Combinar com treinamento de VO₂max

Para Maratonistas

– Priorizar corridas contínuas mais longas no limiar

– Utilizar o treinamento de limiar duplo para acumular volume

– Combinar com corridas longas no ritmo de maratona

Potencialize seu Desempenho com o Treinamento de Limiar

O treinamento de limiar representa uma das formas mais eficazes de melhorar o desempenho em corridas de média e longa distância. Ao incorporar sistematicamente estes métodos em sua rotina de treinos, você estará desenvolvendo uma das capacidades fisiológicas mais determinantes para o sucesso na corrida.

A chave está na consistência e na progressão gradual. Comece com volumes e intensidades adequados ao seu nível atual e aumente gradualmente conforme seu corpo se adapta. Monitore seus progressos através de testes periódicos e ajuste seu treinamento conforme necessário.

Lembre-se que o treinamento de limiar é apenas uma parte de um programa de treinamento equilibrado. Combine-o com corridas longas, treinos de velocidade e recuperação adequada para maximizar seu potencial como corredor.

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Referências

¹ Bassett DR, Howley ET. “Limiting factors for maximum oxygen uptake and determinants of endurance performance”. Medicine & Science in Sports & Exercise. 2000;32(1):70-84.

² Joyner MJ, Coyle EF. “Endurance exercise performance: the physiology of champions”. Journal of Physiology. 2008;586(1):35-44.

³ Faude O, Kindermann W, Meyer T. “Lactate threshold concepts: how valid are they?”. Sports Medicine. 2009;39(6):469-490.

⁴ Daniels J. “Daniels’ Running Formula”. 3rd ed. Human Kinetics; 2013.

⁵ Magness S. “The Science of Running: How to find your limit and train to maximize your performance”. Origin Press; 2014.

⁶ Seiler S, Tønnessen E. “Intervals, thresholds, and long slow distance: the role of intensity and duration in endurance training”. Sportscience. 2009;13:32-53.

⁷ Midgley AW, McNaughton LR, Jones AM. “Training to enhance the physiological determinants of long-distance running performance”. Sports Medicine. 2007;37(10):857-880.

⁸ Billat VL, Sirvent P, Py G, Koralsztein JP, Mercier J. “The concept of maximal lactate steady state: a bridge between biochemistry, physiology and sport science”. Sports Medicine. 2003;33(6):407-426.

⁹ Esteve-Lanao J, Foster C, Seiler S, Lucia A. “Impact of training intensity distribution on performance in endurance athletes”. Journal of Strength and Conditioning Research. 2007;21(3):943-949.

¹⁰ Laursen PB. “Training for intense exercise performance: high-intensity or high-volume training?”. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports. 2010;20(Suppl 2):1-10.


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